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Sempre que ouvia ou lia sobre o "Rancho
Folclórico e Etnográfico do Zagalho e Vale do Conde" achava que se
tratavam de duas valentes aldeias de Penacova, que sabia serem algo remotas, mas onde julgava que os bebés nasciam já a
saber dançar, os nascidos em Vale do Conde todos afilhados do Senhor Conde, um homem hirto, de chapéu alto, bigode porque todos os condes tem um bigode fino, recortado a precisão de navalha e uma daquelas gravatas delgadas que não se sabe se gravatas se não gravatas e os de Zagalho sem um padrinho Conde mas com algo que não soube nunca o que é
e portanto as meninas ainda no ventre já de mãos à cintura e abanando-se
alguns trauteavam já as cantigas em vez de chorar como os bebés fazem
os rapazes já de braços no ar dando estalinhos com os dedos enquanto antecipam os compassos
os rapazes já de braços no ar dando estalinhos com os dedos enquanto antecipam os compassos
e
as mães mudando fraldas cheias de notas musicais não aproveitadas que a
música andava por todo lado e nos intestinos também porque antes nas
papas e no biberão, os passos de dança antes de aprenderem a andar ou
aprenderem a andar dando passos de dança, o vai e vem das pernas, os
braços no ar, as pandeiretas, as mulheres dos coros com as suas vozes
agudas e aguçadas, autênticos bisturis dos sons, o rapaz dos ferrinhos acertando o
ferrinho no triângulo com uma cara séria
os homens mais resguradados, atrás, tocando tarolas e bombos solenes
e o rancho dançando nos terraços, largos e palcos de outras aldeias e lugares
elas de mãos na cintura
o
acordeão afinado com o fole no seu abre e fecha de braços e o
acordeonista de cara sobre o instrumento, de olhos fechados não a dormir
mas apenas a sentir a música e a compenetrar-se no acerto do tom
os homens de braços no ar e os dedos a dar estalinhos, não a pedir
finos para a mesa, mas a acompanharem o compasso pela tarola
e
o rapaz da tarola quieto, direito, descansando uma perna de cada vez e
as mulheres que cantam equilibrando cestos cheios de tradição, a
tradição arrumadinha e presa por cordéis para não esvoaçar com a aragem,
as suas vozes projetando-se para além das capacidades do microfone que
não precisam e antes das danças os homens do som
AAAA.... Som! Som! Um! Dois AAAAAA.... Som!
e outro no meio da praça a meio das colunas a verificar o estéreo
- aumenta a munição à direita!
e o dos botões
AAA.... Som! Som! - Está bom?
e
o som bom, macio, as vozes das mulheres ouvidas a quilómetros e o
Rancho do Zagalho e Vale do Conde dançando e etnografando, Zagalho e
Vale do Conde
que Conde e de quê?
duas pequenas aldeias perdidas na serra
o que é um Zagalho?
e a sua meia dúzia de casas colocadas na encosta e dentro delas gente feita para cantar e dançar.
5 comentários:
Caro António Luís!
Tenho de lhe dar os parabéns por este texto excelente!
Gostei muito.
Cumprimentos.
P. Silva
Excelente texto!
Nada a que já não nos tenha habituado.
Este blog, está cada vez mais na mó de cima!
Excelente!
Como sempre, é um prazer "perder" tempo a ler-te!
Abraço.
Gosto que se lembrem dos grupos folcloricos, são a alma do nosso povo, por vezes não se dá o devido valor ás nossas tradições e os mais novos esquecem o viver dos nossos antepassados.Pena que todos os grupos tenham tantas dificuldades e não estou a falar só das munetárias mas tambem de falta de membros dedicados e dispostos a trabalhar por amor á camisola(para usar um termo futebolistico)porque um grupo para se apresentar em palco tem muitas horas de ensaios. Obrigada por tão belo texto.
Rancho Folclorico e Etnografico... de Excelencia!
Grupo de uma terra pacata,e singela! de envejar, a muitos...!
PARABENS!
...e ao som! é sinal que é bom!
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