quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CRÓNICA ZAGALHO E VALE DO CONDE

 Crédito da imagem: aqui

Sempre que ouvia ou lia sobre o "Rancho Folclórico e Etnográfico do Zagalho e Vale do Conde" achava que se tratavam de duas valentes aldeias de Penacova, que sabia serem algo remotas, mas onde julgava que os bebés nasciam já a saber dançar, os nascidos em Vale do Conde todos afilhados do Senhor Conde, um homem hirto, de chapéu alto, bigode porque todos os condes tem um bigode fino, recortado a precisão de navalha e uma daquelas gravatas delgadas que não se sabe se gravatas se não gravatas  e os de Zagalho sem um padrinho Conde mas com algo que não soube nunca o que é
     e portanto as meninas ainda no ventre já de mãos à cintura e abanando-se
alguns trauteavam já as cantigas em vez de chorar como os bebés fazem
     os rapazes já de braços no ar dando estalinhos com os dedos enquanto antecipam os compassos
e as mães mudando fraldas cheias de notas musicais não aproveitadas que a música andava por todo lado e nos intestinos também porque antes nas papas e no biberão, os passos de dança antes de aprenderem a andar ou aprenderem a andar dando passos de dança, o vai e vem das pernas, os braços no ar, as pandeiretas, as mulheres dos coros com as suas vozes agudas e aguçadas, autênticos bisturis dos sons, o rapaz dos ferrinhos acertando o ferrinho no triângulo com uma cara séria
     os homens mais resguradados, atrás, tocando tarolas e bombos solenes
e o rancho dançando nos terraços, largos e palcos de outras aldeias e lugares
     elas de mãos na cintura
o acordeão afinado com o fole no seu abre e fecha de braços e o acordeonista de cara sobre o instrumento, de olhos fechados não a dormir mas apenas a sentir a música e a compenetrar-se no acerto do tom
     os homens de braços no ar e os dedos a dar estalinhos, não a pedir finos para a mesa, mas a acompanharem o compasso pela tarola 
e o rapaz da tarola quieto, direito, descansando uma perna de cada vez e as mulheres que cantam equilibrando cestos cheios de tradição, a tradição arrumadinha e presa por cordéis para não esvoaçar com a aragem, as suas vozes projetando-se para além das capacidades do microfone que não precisam e antes das danças os homens do som
     AAAA.... Som! Som! Um! Dois AAAAAA.... Som!
e outro no meio da praça a meio das colunas a verificar o estéreo
     - aumenta a munição à direita!
e o dos botões
     AAA.... Som! Som! - Está bom?
e o som bom, macio, as vozes das mulheres ouvidas a quilómetros e o Rancho do Zagalho e Vale do Conde dançando e etnografando, Zagalho e Vale do Conde
     que Conde e de quê?
duas pequenas aldeias perdidas na serra 
     o que é um Zagalho?
e a sua meia dúzia de casas colocadas na encosta e dentro delas gente feita para cantar e dançar.

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro António Luís!
Tenho de lhe dar os parabéns por este texto excelente!
Gostei muito.
Cumprimentos.
P. Silva

Anónimo disse...

Excelente texto!
Nada a que já não nos tenha habituado.
Este blog, está cada vez mais na mó de cima!

Mario disse...

Excelente!
Como sempre, é um prazer "perder" tempo a ler-te!
Abraço.

Anónimo disse...

Gosto que se lembrem dos grupos folcloricos, são a alma do nosso povo, por vezes não se dá o devido valor ás nossas tradições e os mais novos esquecem o viver dos nossos antepassados.Pena que todos os grupos tenham tantas dificuldades e não estou a falar só das munetárias mas tambem de falta de membros dedicados e dispostos a trabalhar por amor á camisola(para usar um termo futebolistico)porque um grupo para se apresentar em palco tem muitas horas de ensaios. Obrigada por tão belo texto.

Anónimo disse...

Rancho Folclorico e Etnografico... de Excelencia!
Grupo de uma terra pacata,e singela! de envejar, a muitos...!
PARABENS!
...e ao som! é sinal que é bom!

Related Posts with Thumbnails