sábado, 1 de setembro de 2012

PROCISSÕES COM SINAIS DE POUCA FÉ


Durante a minha passagem por Penacova, assisti à procissão das festas da minha aldeia - Telhado - cujo santo da foto acima, Caetano de seu nome, é padroeiro do casario e dos seus ocupantes.
Cumpriu-se a tradição dos santos verem a luz do dia, encavalitados nos ombros de gente da terra, quase toda ela de fato ou vestido festivo-domingueiro, cuja devoção e fé ao dito não me atrevo a questionar, dado ser uma questão demasiado sensível, na medida do espaço que ocupa na consciência individual. Mas os sinais revelam as coisas como elas são.
Posso e devo tecer considerações laterais, obviamente pessoais, que o passar dos anos tratou de transformar.
Não sei o que se passa noutras aldeias, mas a marcha do tempo tratou de transformar uma sociedade rural numa sociedade quase urbana, em muitos casos com formação média e superior. As atuais gerações que hoje tem entre 25 a 45 anos, estão semeadas de professores, engenheiros, médicos, arquitetos, políticos e alguns empresários, etc., gente com mais cultura, mais viajada, mais poder aquisitivo e cuja perspetiva do mundo e das coisas é/será, forçosamente diferente da geração que hoje tem entre 50 a e 70 anos.
Algumas dessas pessoas hoje licenciadas, mestradas e se calhar doutoradas, continuam diretamente a cumprir e/ou a contribuir para cumprir com a tradição do S. Caetano e demais santos, retirando-os dos altares e das sombras da capela e revelando-lhes o casario que se estende pela suave encosta. Desconheço-lhes a convicção, repito, mas vejo nas suas expressões uma certa "compaixão/pena" para com uma tradição que, sendo levada em ombros, ninguém se atreve a deixar de cumprir, quanto mais não seja por respeito às muitas gerações que a cumpriram em tempos muito diferentes dos de hoje e que eram aglutinadores da comunidade.
O largo de S. Caetanto, ou Largo da Capela, como é e sempre foi conhecido, permanece intacto. Alheio à superior formação dos seus ocupantes. Não creio que a procissão dos santos aglutine por aí além a população local. Há ausências, gente no limbo das portas e no soslaio dos olhos, espreitando o cortejo que se arrasta ao som da banda e dos passos.
Pelo que vejo e com seguras exceções, as pessoas estão cada vez mais dentro das suas quintas e zonas de conforto, entretidas com os teres, com os gritos da tecnologia que as sentam diante de computadores e demais meios e as afastam, dramaticamente, de uma boa conversa na rua, de uma troca de favores na horta - cada vez há menos hortas junto às casas - de um simples olhar ou cumprimento. Os sorrisos entre amigos, trocam-se, comodamente, por exemplo, no facebook, onde as vidas parecem perfeitas porque aí nos revelamos como nos convém... Tudo suficientemente grave numa comunidade de cerca de 400 pessoas.
As pessoas estão cada vez mais tempo escondidas nas suas casas, entre muros, de volta dos seus carros e objetos que lhes dão segurança e depois, quando a tradição manda e se reencontram sob a sombra de S. Caetanto, olham-se com surpresa  nuns casos e noutros com a terrível sensação da implacável passagem do tempo e de como ele transformou em silêncio, estranheza e distância, tantas brincadeiras de infância, tantas juras de amizade no empedrado rude das ruas.


 Duas imagens da procissão "em Honra de S. Caetano" - Telhado, Agosto de 2012

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei muito deste seu texto. Um bom regresso á taberna que com respeito por todos os outros taberneiros, não é a mesma sem si!
Parabéns!

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