sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O APANHADOR DE CABEÇAS

Salvador Dali - "Three sphinxes of Bikini", 1947

F. passa muitas tardes sentado num dos bancos da Pérgola de Baixo, um banco com costas e de costas para os poderes do largo adjacente.
Conta e sempre contou os passos dos últimos  presidentes de câmara entre o carro e os degraus que levam à entrada onde estes se esfumam, já sem surpresa, pelas paredes adentro, sem nenhum passe de mágica, apenas desaparecendo nas sombras do interior do poder.
As bandeiras lá estão, hasteadas nos respetivos mastros e a meio deles quando há mortos que merecem a honra dos vivos, ora abanando se ventos as empurram, ora quietas e inexpressivas, numa espécie de sono das bandeiras.
F. é um cético. Não acredita porque vendo, não vê. É um espírito sagaz que guarda na sua cabeça de silêncios e poucas expressões, tudo o que vê e percebe dos movimentos feitos pelos transeuntes que, fixando os seus passos a olhos ambos, fazem riscos invisíveis no alcatrão e nas calçadas do largo .
A cabeça pesa-lhe e já perdeu a conta às vezes que ela lhe caiu e rolou calçada abaixo até se imobilizar junto às grades da balaustrada das varandas da Pérgola de Baixo.
F. levanta-se na calma dos lírios, apanha a sua cabeça, coloca-a no sítio e volta a sentar-se.
Ele e tudo, permanecem na segurança dos lugares, guardando os dias em pequenas caixas de fósforos, hesitando no calendário entre os dias em que lhe apetece chegar-lhes fogo!

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