REFLEXÕES DE UM TABERNEIRO NA ABA DO BALCÃO (III)

Este espaço é, por norma, para levar a sério em doses moderadas. Contudo, mesmo nos textos mais satíricos, há um fio de verdade ou, pelo menos de razoabilidade que desperta a atenção e que propicia o pensamento crítico.

Contudo, tanto eu como o José António Duarte temos o nosso pensamento suficientemente estruturado para emitir os nossos juízos, estejam eles ou não embrulhados em doses de humor, ironia ou de absoluta seriedade.

Posto isto e ciente que a "elite pensante de Penacova" me vai cair em cima, sobretudo aquela que dificilmente separa progresso do betão - que têm sido gémeos siameses desde os tempos de Cavaco em S. Bento - quando, sem medos ou papas na língua, me manifestarei, aqui e agora, absolutamente contra a construção de um parque de estacionamento no centro da vila de Penacova. Os nomes que me venham a chamar serão apenas música para os meus ouvidos. Não sou de rebanhos e, portanto, penso pela minha cabeça, bem ou mal, sendo que concedo apenas ao tempo o poder de me julgar provando estar certo ou errado.

Desculpem-me o termo, mas a decisão, já anunciada em parangonas de manual, é de um provincianismo atroz e revela de forma cristalina de que é feita grande parte da massa dos autarcas deste país.

O problema, muito para além de outros contornos que a ligeireza não carrega para não espantar o populismo, para além de físico e estrutural é, manifestamente cultural.

A cultura instalada assenta na primazia e no domínio do automóvel sobre todas as coisas.   Os exemplos são mil e pelo menos um bate todos: existem já duas auto-estradas a ligar o Porto e Lisboa e pensa-se já numa terceira. 

Toda a actividade humana assenta na velocidade e, portanto, há que reduzir os tempos de acesso aos serviços, sejamos francos, a qualquer preço, mesmo que as distâncias, neste caso, sejam ridículas.

Ora numa vila de dimensões reduzidas como Penacova, o que justifica a construção de um parque de estacionamento no centro da vila? Nada. Apenas a vaidade das "elites" que mandam e decidem nesta terra.

O centro da vila de Penacova é uma pequena área que - com toda a ironia possível - mal dá para um campo de futebol.

Há, ao redor do "centro", espaços para os gloriosos 83 lugares de estacionamento, que se querem agora construir numa espécie de "obra do regime". Espaços na zona das escolas e noutras em que a vaidade não passeia e a preguiça não recomenda "caminhadas aos elementos.

A vila não se tem pensado a  si mesma, com uma ou outra excepção. Vive ao sabor arrastado da presença dos poderes, todos eles acomodados, entalados nos seus horários e, quando a política - no que tem de mais deplorável - decide mostrar toda a sua mediocridade, é sempre de temer o pior, a começar pelos cofres de quem paga.  Para "amaciar" a coisa, eufemismos como subsídios europeus e quejandos servem  ante a boa  ignorância popular! Basta assistir às assembleias municipais e percebe-se sem esforço de que é feito tudo isto e de como o interesse do cidadão é pouco mais que papel higiénico que se usa no afã da necessidade.

O balcão está deserto. A taberna fechada. O aparelho das moscas, com a sua luz roxa, trata de as atrair e eliminar num estremecimento eléctrico. O Bagaço anda pela rua, as mesas estão mudas e quietas, as cadeiras encostadas, as máquinas repousam para o fim de semana de Páscoa que aí vem. O silêncio impera e os vidros limpos deixam espreitar para a rua deserta.

Por mim, olhando uma televisão sem som, não escondo uma enorme frustração por ver que o dito "sangue novo" que ocupou a Câmara Municipal em Outubro de 2009, encabeçado por gente nova, da minha geração, com quem partilhei recreio de escola há mais de trinta anos, está todo ele agarrado aos cânones mais bafientos da política, sem estremecimentos que rompam o pensamento e a acção, apenas ao sabor do interesse de uma pseudo-elite.

Gente vestida de nova, mas cujo pensamento e acção são velhos como algumas cadeiras que, mais cedo ou mais tarde, deixam quebrar as pernas que lhes aguentam a dignidade que ainda lhes resta.

Como sempre faço, deixo a taberna e sou perseguido por vozes e sombras, todas elas a sussurrar: António! Desiste! Vozes de burro não chegam ao céu! Não faltará quem te faça actor/protagonista de anedotas!

Calmamente, sempre lhes vou dizendo em pensamento: "Pelo menos durmo descansado!"

Boa Páscoa para todos os leitores e amigos d' O Homem das Tabernas!