sábado, 12 de fevereiro de 2011

PENSAMENTOS DE UM TABERNEIRO NA ABA DO BALCÃO - II

Mais uma semana de trabalho a terminar. Resta acesa na taberna, a luz por cima do balcão que confere a este espaço um ar estranhamente calmo e taciturno. 
Já nem as meninas restam, já todas demandaram as suas casas e permanece apenas o Bagaço a ressacar do "serviço" que foi fazer ao "Centro Cultural de Penacova", cogitando a guarda da taberna, preparando investidas na cadela da Almerinda...
Lá fora, hoje sem nevoeiro, a noite está pintada entre o laranja dos candeeiros e uma lua em quarto crescente, mesmo que crivada por nuvens. É a normalidade em todo o seu estatuto, aquela normalidade que confere a segurança (de certo modo aparente) e que nivela a vida dos cidadãos, ensimesmando-os e castrando-lhes, por assim dizer, o seu espírito crítico e até a imaginação.
As coisas estão no seu lugar, as televisões ligadas, poucos livros fora das estantes, as suas palavras mudas, no silêncio das acácias, o cansaço misturado com os bocejos da sexta-feira à noite, a louça à espera do milagre nocturno da lavagem, tudo adiado para a disponibilidade do sábado.
Esta semana foi muito agitada aqui na taberna, sobretudo depois da vinda do Primeiro-Ministro a Penacova, a que foi dado o verdadeiro destaque aqui no Homem das Tabernas
A ajuizar pelos comentários que nos chegaram, a dita teve um efeito galvanizador nos socialistas locais que, não atipicamente, voltaram ao ataque, tratando de responsabilizar tudo e todos, obviamente entidades e nomes sempre exteriores a si mesmos, pelo que se passa e não passa neste país e nesta terra.
É uma tradição que só lhes fica bem na medida em que a memória das pessoas não se ocupa das auto-apregoadas "glórias do poder" e  antes se embrenha nas dificuldades do quotidiano!
Até que um dia, a bolha aparentemente não existente, rebente com o estrondo das revoluções!
Não sendo isso de espantar, porque em bom rigor o exercício da política nem sempre se faz às claras, causa-me enorme estranheza esta falta de sentido ético-estético do exercício do poder, quase como se fosse uma arte concorrente com uma outra arte, mais verdadeira e, imagine-se, efectivamente real, mas tomando a identidade falsa desta, com tudo o que de mau daí advém...
É este mundo virtual que me choca. Não há balcão que o esconda, não há vinhos bebidos que o façam esquecer.
Sócrates veio inaugurar as "Redes da nova geração" na EB1 de Penacova. Mais uma acção de governo (in)vestida de mentira e de um vazio absolutamente sinistro. Se as redes e a sua novel condição são louváveis pelos mecanismos comunicacionais que despoletam/facilitam, não louvável é o facto de tudo ter sido uma encenação absolutamente vergonhosa, dado nada daquilo estar a funcionar, tudo apenas assente numa agenda de conveniências.
Mas mesmo que isso venha a acontecer daqui a uns dias, e dando de barato que sim para minimizar os "estragos", não deixa de ser um exemplo infeliz que, na sua essência, concorre para a explicação, entre outras coisas, da abstenção crescente nos actos eleitorais.
Também por tudo isto, percebe-se que a política é uma entidade que funciona numa plataforma cheia de interstícios e derivações obscuras, cuja motivação não se explica nem se consubstancia na vida das pessoas, as tais pessoas da sexta-feira à noite, sentadas no silêncio da sua sala, no silêncio dos livros que não se lêem e no entretém frívolo e redentor da televisão que as desvia das rotinas que desenham a "morte" lenta e consentida da cidadania.
Resta-me trancar as portas da taberna, como faço sempre ao fim de semana, desligar as luzes e mergulhar no silêncio sepulcral da vila.
Como quase sempre que o faço, sou "perseguido" sombras e vozes. Várias. Colocadas em hemisférios distintos, apelando umas ao meu silêncio definitivo, outras fazendo-me ver que não me vergarei à conformidade estabelecida numa geometria sem pontos e linhas de referência e que nos traça numa imperfeição de dedos trémulos, a passagem dos dias.
Bom fim de semana a todos!

4 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro amigo António Luís, que nunca lhe doa a língua para dizer tais verdades. Este seu texto é uma prova cabal do sucesso deste espaço, e apenas está a altura de um predestinado...os meus sinceros parabéns.
Abraço

António Luís disse...

Seja quem for o anónimo das 08:57, Muito Obrigado!
Só não concordo com o "predestinado"...
Apenas escrevo e gosto de o fazer, se possível bem!

Cumprimentos.

PL disse...

Caro António Luís!

Magnífico texto!

Abraço.

Anónimo disse...

Uma escrita inteligente, apelativa, que mordisca o poder com a sua critica, mas que nos faz pensar.
Tão longe da sua terra e tão perto das suas realidades.
Um belo texto, que até pecará por estar neste blog, mais dedicado ao humor e à sátira politica.

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