Os clientes deixaram a taberna, a Alzira já limpou o chão e as mesas, trocou de roupa, saiu e entrou no carro rumo à sua casa. A caixa está fechada, o bagaço enrola sonolências no seu canto, enrolado numa velha manta acastanhada, enquanto sonha com os ossos do talho e, no intervalo, com a cadela do Aristides.
A televisão, ainda ligada, revela o mundo na sua agitação. Se as convulsões no Egipto enchem o ecrã e a boca aos especialistas, já por cá a nação voltou a espelhar-se no debate quinzenal com o governo.
Com Sócrates, sempre educado e verdadeiro, a destilar as suas vozearias contra o país que não o entende e às suas glórias, mandando os seus "rapazes" ensinar ao Presidente eleito os efeitos e significados da palavra dignidade, como se o significado da palavra hipocrisia fosse algo que a sua cabeça grisalha ignora com olímpico desprezo.
Pedro Silva Pereira, uma espécie de sósia do Primeiro-Ministro, um "canino" que ladra alto aos transeuntes, diz hoje que espera que Cavaco "esteja à altura das suas responsabilidades", numa tirada absolutamente vergonhosa, dita por um dos mestres ou amestrados deste "regime", parido há seis anos por uma conjugação de "salvadores da pátria", que sobeja de tudo menos do que pede ao Cavaco.
A semana chega ao fim com os habituais exercícios de apoucamento da vitória eleitoral de Cavaco, o "esquecimento" do descalabro de Alegre, servidos por uma comunicação social subserviente e que, seguramente, não gosta da secura cavaquista, porque é infértil em soundbytes, como não era, por exemplo a de Soares, num país que teima em não se libertar do estigma de que o PS é o dono da moral e das virtudes e, seguramente, do país. Os resultados desse virtuosismo estão à vista e nenhuma cosmética os esconderá se o caminho estreito em que se segue afunilar de vez rumo ao abismo.
Por cá, por Penacova, o Presidente da Câmara jura a pés juntos que o palácio da justiça irá para a frente, não sabendo a dimensão da verdade ou inverdade das suas palavras, mas o pobre Dr. Humberto tem de mostrar serviço, seja porque isso é imperativo para a sua sobrevivência política, seja porque o partido que o "testou" e, supostamente, o suporta, o manda dizer o que disse e, pontualmente, outras "coisas", numa espécie de "prova de vida".
Nenhuma ingenuidade consegue desmentir o que se fala entre dentes, em gabinetes fechados, em reuniões onde o interesse do partido e dos "seus", bem como das respectivas vaidades, se confunde num cocktail promiscuo com, vá lá, o "interesse dos cidadãos", essa entidade tão vaga e tão difusa, mutável e de tratamento variável.
Desligo a TV, pouso o comando e encaminho-me para a porta, embrenhando-me no frio da noite.
Atrás de mim seguem invisíveis vozes de desilusão que me afastam - e sempre afastaram - da militância partidária, vozes que falam do pensamento livre, aquele que nenhum imposto jamais taxará, aquele que não se amarra ao que "alguém" determina.
Quando dou por mim, o branco do nevoeiro desfaz-me os balões do pensamento e devolve-me ao silêncio total da noite, onde tudo está quieto e na sua normalidade.
Segue o descanso.
7 comentários:
Os taberneiros andam-se a passar...
Agora também deram em pensar. o que a gente queremos é vinho nos copos e não paleio.
Anda é a faltar a imaginação. Os posts vão dar sempre ao mesmo. O Dr. Humberto merecia um pouco mais de respeito. Mas se calhar os taberneiros preferem lá um outro qualquer a ser guiado pelo Mauricio.
Grande texto. Este espaço é muito mais que uma taberna! Tem humor e faz-nos reflectir. Do melhor que já derscobri. Os meus paraben aos autores. Aqui por coimbra não se vêm muitos com a vossa qualidade de escrita. às vezes um bocadinho sexista, mas, enfim, é uma taberna, dou-lhes um desconto
Teresa Martins, Coimbra
epa! vamos tratar todos por igual! pelo nome ou pelo Dr. ou Eng. tal...! mas afinal o Eng. Mauricio ainda vòs trás saudades! porque voces ainda falam dele!ate dava uma opinião!meter um guiado por ele não! mas ele mesmo numca se sabe!
Cruzes canhoto. Que o Diabo seja cego, surdo e mudo.
Parabéns uma vez mais António pelo seu texto!
Ainda que não seja de direita nem de esquerda mas pelo que me parece justo, condordo consigo que, em Portugal, a esquerda partidária (apoiada claramente pela comunicação social..senão imaginemos, p.e., como seriam tratadas todas as broncas que envolveram o "Sócas" nos tempos do (nada saudoso para mim) Santana) vive envolta numa aura de "superioridade moral".
Quanto à militância partidária..é certo que talvez 60% dos militantes de todos os partidos são "cordeirinhos" com atitudes consciente ou inconscientemente "acéfalas" de seguidismo do (s) líder(es) ou então que andam lá para o "tacho político". Mas é um facto que deixando os partidos "entregues á bicharada medíocre" e abstendo-se de tentar mudar alguma coisa, melhorias não poderemos esperar...
Agradeço todos os comentários e registo com agrado que a minha escrita suscita reacções antagónicas!
Se assim não fosse, preocupava-me!
Obrigado!
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