segunda-feira, 30 de abril de 2012

da indiferença das audiências

Taberneira - Ontem morreu o meu canário mais idoso. Estou triste.
Anastácio, o poeta - Há tempos escrevi um pequeno texto sobre a morte. Gostava de ouvir a vossa opinião.
Alecrim aos molhos - Por mim podes ler, mas não te queixes se eu mostrar desagrado com um certo tipo de português, o português técnico.
Anastácio, o poeta - Ora aqui vai: "Hoje terei de encontrar um lugar. Amanhã terás de encontrar um lugar. Os lugares não são de confiança, existem independentemente das pessoas. Os lugares por onde passámos jamais se lembrarão de nós.  Olhemos com certa desconfiança os lugares. Manifestemos o nosso desprezo pelas memórias olfactivas. Os cheiros dos lugares deverão então ser apagados sem o mínimo de preocupação. Pois os lugares jamais lembrarão o nosso amor. A forma como tornámos o espaço circundante estranho e especial. Os lugares são por isso espaços que devemos odiar com um fervor inegociável e radical. Não devemos confiar nos lugares. Eles permanecerão para além de nós."
Taberneira - Ó poeta, não leves a mal, mas esse texto tem morte a menos e lugares a mais.
E enquanto Alecrim aos molhos adormece solidariamente no canto mais obscuro da Taberna, Anastácio, o poeta, remexe ansiosamente nas palavras, fazendo um esforço derradeiro para agradar às audiências.

1 comentário:

António Luís disse...

Muito, muito bom, Vera!

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