A taberneira está em pé ao balcão. O seu semblante é triste. Tem um copo de absinto na mão direita. Veste um avental às bolinhas. Uma cabeleira rosa choque. Coloca os Smiths no IPOD e desliga as luzes. Acende uma vela, pensa em alta voz enquanto pousa o copo de absinto : Os tempos são de poupança, mas eu sinto-me cada vez mais jovem. Ah - sorri embevecida - tive uma fantasia intelectual contigo – junta as mãos em jeito de reza - é certo que deixei voar o motivo – agarra no copo de absinto e murmura com um ar sonhador - e o mundo na sua rotineira rotatividade.
Alecrim aos molhos sorrindo embevecido do lado de fora do balcão diz : E, no entanto, ela move-se. Tal como Jesus Cristo.
A taberneira chateia-se com o IPOD e liga a aparelhagem Sony comprada na feira da ladra da Pérgola : Descobri que os buracos orçamentais das autarquias são problemas conjunturais, que nasceram devido a fantasias estruturais – coloca o novo cd dos echo & the bunnymen – fui investigar quais os problemas e as contradições e fiquei esclarecida.
Alecrim aos molhos sorrindo benevolentemente, enfim a Taberneira era deveras ignorante e ele sempre gostara de aplicar os seus conhecimentos de hidráulica : Não, nada disso! A conjuntura de crise deve-se a mais de três décadas de governos e de autarquias que se dedicaram a satisfazer as reivindicações das populações locais - Em voz mais alta e com ar sisudo : Ó Maria isto é um assunto metafísico, dá aí uma mini! - Maria vira-se, tira a mini do frigorífico e estende-lhe a garrafa, Alecrim prossegue : Já viste o que a malta andou por aí a pedir? – dá um gole na mini, engasga-se, tosse, debrubaça-se ao balcão e dá de caras com as curvas do copo de absinto, refaz-se e continua : Olha, os habitantes da região x queriam 420 piscinas municipais; os clientes do concelho y nada menos do que 20 centros educativos; os bêbados dos estudantes de Coimbra contentavam-se apenas com 1.000.000 de apartamentos; os automobilistas indignaram-se pois não tinham 4.823.122 auto-estradas. - Alecrim bebe o resto da cerveja de um só gole e arrota. Maria olha para ele com ar sério e reclama : Ó amigo, isto aqui não é lugar de intimidades! Ai ai ai ai! - E continua com um ar interrogativo : Ok, pelo que eu percebi os culpados são os cidadãos extravagantes, os clientes malandros, os estudantes bêbados e os automobilistas fantasistas, logo parece-me resolvida a estrutura conjuntural.
Zé Manel entra, pede uma Super Bock e uns tremoços e enquanto espera diz em voz muito baixa e olhando amiúde para a porta da taberna – pessoal, vim aqui contar-vos uma novidade, o chefe George Writh da CIA segredou-me que o Conselho Europeu vai aprovar uma nova invasão de extra-terrestres. Eu não sei não, mas se calhar é melhor regressarmos ao contrabando da metafísica paralela.
2 comentários:
Um texto que acerta na "mouche".
Grande taberna e gente que consegue dizer o que pensa brincando com as palavras.
Muito bom mesmo!
Não é grande taberna, é mais grandes taberneiros, mas só alguns!
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